quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Olho pela Janela e Vejo o Mar... Ou Sala das Horas Perdidas


Olho pela janela e vejo o mar, imenso. As ondas beijam a areia, com sua efervescência ácida. A maresia desentope minhas narinas e então respiro fundo. “Quer desistir...?” Ela me propôs. Desistir do amor, desistir das vontades, das coisas pelas quais deveríamos lutar na vida. Penso em desistir. Mas antes penso no significado da palavra desistir. Parece-me algo assim como abandonar o sonho, renunciar à coisa almejada, querida...
Certa vez desisti de um sonho, tão morto agora que nem lembro, mas há um vazio em mim por isso. Aliado a outros vazios, de dimensões maiores, menores, mais rasos, mais profundos, mais ou menos cortantes.
De vazio em vazio, adentro então numa grande sala, fria e desabitada. A sala da minha alma, onde o que se vê, são retratos de coisas que se perderam há tempos... minha infância está ali... estampada sobre uma moldura de cor esquisita, um cinza desbotado e triste. Há sorrisos esquecidos, quantos... tantos... há dias de sol e copas de árvores brilhantes, tremeluzindo ao bel-prazer de um vento que não tomei no rosto, que ventou num momento em que meus prazeres não eram ventos, mas algo que provavelmente se dissipou como uma lágrima no tempo.
Adiante, na grande sala, minha maturidade escorre num vermelho parco, sem brilho, como sangue estancado de alguma hemorragia antiga. Tudo está ali, se ali caminho. Se me afasto tudo some. Se toco, inundo-me da mais odiosa dor: a do arrependimento.
Ao menos ali não estão meus filhos, como caricaturas do que não vivi, penso, imerso em certo torpor gelatinoso.
Minha maturidade não me sorri, ri-se por dentro, maliciosa, vingativa, como quem diz: “não viveste...? Vivi eu!”.
A sala das horas perdidas não é mensurável, tampouco palpável... mais parece feita de um infinito que se estende após cada passo dado (pois antes do passo dado, não existe nada além ainda, somente o vazio que se estende ao lado, a frente, atrás, acima, abaixo, vertiginosamente, desmedidamente, impressionantemente), então ali está minha velhice e minha morte, porta fechada, passo não dado, história não contada...
A minha morte me aguarda em algum lugar da imensa sala, não sei em que direção, se perto ou longe...
Se quero desistir...? Pergunto-me a pergunta feita, enquanto o mar é tingido de um verde escuro e o sol de um laranja imenso de fim de tarde, qual um escudo sobre minha cabeça e minha casa e minha vida humana pequenina e de pé, na doca de madeira estreita, onde equilibro o que sou...
Talvez eu queira desistir de tudo, de todos, mas não olharei atrás, não derramarei lágrima alguma pelo que não fiz, pois o que não fiz tem a mesma importância na minha vida que as coisas que fiz... muitas das minhas vitórias foram conquistadas pelos erros e muitas derrotas construídas com acertos...
Talvez eu queira desistir, mas não lamentarei o que poderia ter sido amor, porque o amor que não foi jamais terá sido um dado real, mas uma mera e pouco importante possibilidade apenas.

João Mario Fleury Corrêa

22/08/2003

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Poetando


Pois ia a poesia levitando...
Levou tanto tempo
Criou tanta coisa que não se sabia.

Então ia a poesia poetando
O mundo que se conhecia
A procurar quem sabe
Num canto
O encanto que já não havia.

E a esperar alguém
Aqui ou ali
Que sem saber sorrir
Entristecia.

João Mario Fleury Corrêa

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Seguir


Como saber quando não há volta?
E o caminho percorrido se esgota
E os olhos não se olham sem querer...
Melhor parecer não ver.

Que nome tem isso?
Qual cura tem isso?
Se não há você...
Melhor fingir não saber.

Como evitar sentir
O coração apertar
O corpo suar
A fala enrolar dessa maneira estranha?

Que dor é essa de entranhas?
Não me olha assim
Desfaz de mim...
Melhor é seguir sem nada entender.

12 de janeiro de 1999.
João Mario Fleury Corrêa

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Espera


A espera avança infinita
Dança sobre mudos tropéis
E se lança silenciosa
Sobre o negro e rude veio-estanque...
Qual manancial de morte
Em vida...

Ávida ferida da hora
Do tempo em que foi retida em mim
E num sonho

Esquecida.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ela




Ela à meia-luz da vela tosca e trêmula
Silhueta bela, infame e pura
Fêmea úmida e insana...
Nua em pêlo em si moldura.

Ela em meio à tela
Pincéis em cores duras
Refaz-se em aquarela minha cura
Enquanto vibro
Tenso e tenro minha agrura

E me esvaio
E me derramo em tua loucura.

João Mario Fleury Corrêa
2001