quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A pele




A PELE



A pele em que me perco em sonho
Parca de contato
Até então a pele imaginária
É tua pele, à tarde, envolta em luz dourada...

A tua pele
Cujos poros emanam o meu amor transfigurado
E cujas curvas são portos distantes onde me abrigo
É meu refúgio e minha cruz.

A tua pele é nua e brilharia assim, mesmo sem luz.

A tua pele é nua e então me beija a boca com tua dor e tua recusa tênue
E quase choras quando toco teus seios, vendo-te além-olhos
E fundo em ti me entranho, corpo e alma misturados...

E, ante a calma vespertina, o ritmo alterado em teu peito a denuncia:
As falas mudas, os gemidos miúdos sussuram-se, entendem-se...
Acolhem-me no veio dessa paixão de horas antigas,
De tempo esquecido, de tardes idas, de nunca mais.

A tua pele dourada na tarde são minhas preces jamais ouvidas.

João Mario Fleury Corrêa

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Felicidade



Felicidade




Ele-cóptero. Não entendia. E o zuuuuuuum! Sobre sua cabeça passava em rasantes no parque, no sol, o pai, a mãe, o irmão.

Ele-Cóptero. De repente não mais aquilo o atendia. No chão uma trilha de formigas ia, vinha, carregando coisas pesadas, parecia. Seguia com os olhos até a árvore, onde subiam-desciam, alheias a ele e aos olhos que as viam, subindo, descendo, sem se importar.

O ruído cada vez mais longe, a mãe em seu vestido vermelhobranco, o pai fumando uma fumaça cinza, o irmão segurando o controle-remoto dele-cóptero. Foi se afastando e formigando a trilha das saúvas vermelho-fogo. Até onde iriam, teria fim?

Na cruz ilhada em meio à bifurcação da cerejeira esquecida e velha, seguiam ora para um lado, ora para outro, então não fazia mal algum subir um pouco e ver onde dava a interessante curva direitaesquerda, e assim fez, ninguém olhava, ninguém se importava.

As pernas pequenas-tortas eram hábeis, porém fracas de paralisia e o frio as anestesiava ainda mais, tanto que uma picada não sentiu, enquanto subia e via a trilha perder-se nos ramos mais altos.

Embaixo as cores das bolas difusas jogadas ao acaso eram cores menores, enquanto que acima rajadas de sol soltas tremeluziam folhas sob o vento sudoeste, amenizando o rubor da face antes branca e gélida de uma doença antiga chamada indiferença.

Esticou as juntas e o joelho foi atravessar a ponte que de um galho levava a outro. Assim foi golpeando o espaço e abrindo caminho, cada vez mais alto, seguindo as indas-vindas das formigas loucas. Até pôde ouvir seus ruídos, quando os ruídos de baixo não mais se faziam ouvir, de tão alto. Sibilavam como frestas entreabrindo-se e eram sons organizados que lembravam também discos antigos de vinil esgarçados pelo tempo.

De tão alto entrevia as pipas ziguezagueando num duelo aflito e de algodão as nuvens tão perto. Se esticasse os braços poderia quase tocá-las, desfazendo seus formatos engraçados de monstros e animais imensos, torna-los dóceis num desenho ameno, de sua criação.

Um pequeno buraco, acima e adiante entravam e saíam as formigas operárias. Poderia caber um dedo, se quisesse introduzi-lo, mas não quis, e ficou a admirar tamanha empreitada, enquanto a mãe vermelha e branca desesperava a sua procura em lugares longe de onde o cinza-pai indagava a um qualquer o seu sumiço amarelo.

Ele, o cóptero, aterrara de focinho na planície próxima e quente zunia seu estertor final de morte. Então o irmão olhou, acima, no alto, o metal brilhante de suas pernas se confundirem com os galhos mais altos e quis gritar, mudo de pavor, a voz que não saiu. Enquanto, tocada, a nuvem virava um anjo incorpóreo diante do sorriso autista, porém sincero.

Respirou profundo um ar intenso e puro e suas mãos desgarraram-se dos galhos, seus pés planaram no vento, seus pensamentos voaram longe, numa repentina e breve felicidade.

João Mario Fleury Corrêa
09/02/2010