quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mezzo a Mezzo


Para Vinícius.


Esta tarde não é minha. Esses temores repentinos, essa agitação inesperada, a paisagem, o tremular das folhas bailando ao ritmo do vento desse dia, desse julho, nessa angustia e tudo mais que começa como calor e frio, certeza e medo, amor e ódio.

Não. Não é minha essa imprecisão de sentimentos, apesar de ter minha alma como abrigo e agora meu corpo doidivanas, antes ao bel-prazer das vontades exteriores, das corrupções irresistíveis, prazeres incomensuráveis e tão viciosos quanto efêmeros.

Não sou mais eu no mundo. Não são só meus passos, minha respiração, meu medo no começo da noite. Não é só minha descrença agora, ou minha crença na índole, no caráter, no respeito entre as pessoas. Não estou mais sozinho no universo. Então necessito aprender a ser dois. Acho que para isso preciso dominar o todo, controlar os defeitos e as virtudes, calar a força que conduz ao incerto, ao inesperado, à sorte. Abafar todo mal que possa ser transferido por admiração ou idolatria.

Vejo a vida que frutifica não por acaso, não por desejo ou influência de quem quer que seja, mas por mérito das partes que interessam. Vejo adiante meu filho, seus olhos são ainda meus e da mãe, seus braços, pernas, seu todo ser e estar é minha existência ainda e de sua mãe.

Imagino-me aquele ser, o que não é difícil, pois sou aquele ser ou metade dele. Imagino-me ele. E não adianta imaginar-me criança, pois viriam à tona lembranças que trago de agora. Misturas de fatos de antes, de hoje, de sonhos, de pensamentos, de desejos, alucinações normalíssimas em se tratando de gente.

Nada é lógico quando se é ainda quase nada e tudo ao mesmo tempo. Nada parece nos pertencer, pois não há noção de posse do mundo, pois o mundo ainda é o grande vazio que se experimenta, o início do nada, a sensação do novo comparada ao minuto imediatamente anterior, porquanto este é o parâmetro, o paradigma, o confrontamento único e possível de ser feito.

Minha relação com o mundo, meu canal direto está aqui. Na minha frente sua mãe oscila, parece bailar de tanta delicadeza. Pisa na ponta dos pés, age naturalmente, como se soubesse exatamente o que fazer. Como se há muito tempo soubesse exatamente que ali estaria, dia e hora, e que minha reação seria exatamente a que estou tendo. Que o brilho nos meus olhos nesse instante representaria a resposta para toda pergunta, a paz para toda aflição, a coragem para qualquer medo.

Minha relação com o mundo é linha tênue. Desfaz-se com facilidade, constrói-se da mesma forma. Carrega consigo a responsabilidade de ser o elo de ligação entre o hoje e o que virá, a sensação de tempo.

E só o tempo mesmo para compreender o que eu sinto agora, mezzo eu, mezzo ele, mistura salpicada de milagre, temperada com a esperança que remove qualquer indiferença, que faz brotar a fé como água boa do poço, que jorra na intensidade do sentimento nunca sentido, inexperiência maravilhosa de vida.

Essa tarde não é mesmo minha, esse corpo, essa alma, essa alegria infantil de viver. Nada me pertence, pois já não sou eu no mundo, não meus passos, não minha rápida respiração. Minha somente essa nova e extraordinária capacidade de amar.

João Mario Fleury Corrêa
Petrópolis, 22 de julho de 1999.

3 comentários:

  1. João Mário, companheiro de blogger, confesso que esse teu texto me emocionou por demais... A ilustração que o acompanha, então, é simplesmente perfeita... Sensibilidade pura que nos toca e até mesmo faz chorar - por que não?... Grande abraço, meu amigo...

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  2. Também fiquei emocionada com o texto.
    A forma como expõe seus sentimentos é muito tocante.
    Um abraço
    Lilla

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