sexta-feira, 28 de novembro de 2014

POR AMOR



Mesmo que me arrase a vida
O distante amor
Que a dura luta me inflija
Lancinante dor.

Mesmo que a esperança canse
De esperar o tempo
E eu veja escapar do pensamento
Tua última lembrança...

Ainda assim valerá à pena
A angústia
A saudade
A tortura
A derrota amarga que me invade.

Pois para o amor a morte é tarde
Para o amor a perda é cura
Para amor tudo é vontade.


João Mario Fleury Corrêa
29/11/2014

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Reza



Morro vivo em mim
Enterrado de tristeza até o fim
Da alma que, perdida, só me pesa.

E ela reza.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Dinossauro



                   Li no jornal de sábado, na coluna do Affonso Romano de Sant’Anna, uma matéria sobre o menor conto já feito no mundo. O autor, um tal de Augusto Monterroso, nasceu na Guatemala e - tenho pra mim - sua obra não deve ter se resumido a isso, porém acabou ganhando notoriedade, como o autor do menor conto do mundo: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá."
                   Na hora morri de rir... “isso não é um conto”, pensei eu... é uma frase, uma oração, tudo menos um conto !
Um conto tem que ter enredo, trazer no seu bojo início, meio, fim... há que comportar uma narrativa coerente, um desenlace trabalhado, um sentido de texto... não pode embutir-se numa mera frase, utópica, irreal: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.".
                   Isso é ridículo, subestima autores renomados e mesmo os sem renome, ou ainda os que acham que escrevem alguma coisa, como é o meu caso. Diante dessa euforia, causada inicialmente pela constatação de que: "sim, eu sou um bom escritor...! Meus contos são sem dúvida melhores que essa porcaria de frase...!” E por uma frustração incontida, uma vontade de gritar a quem pudesse ouvir: "Há pessoas que vivem disso...!!" - Comecei a analisar melhor a frase, tentar entendê-la, analisar sua subjetividade, o mistério escondido por detrás daquele despertar e daquele dinossauro...
                   “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.” Me veio a luz: “Sim...!” Como não percebera antes...??? O mistério está no entorno, no antes e no depois, no oculto... na viagem fabulosa que poderemos fazer desde o momento em que um cidadão comum, no momento em que desperta de mais uma noite de sono, percebe-se na companhia insólita de um dinossauro. Certamente ele não estava ali ontem, antes do sonho. Com extrema certeza esse Tiranossauro Rex, forjou-se na noite anterior, num embalo qualquer, regado a muita birita.
                   Imagino então aquele homem, beirando os trinta e cinco anos, recém separado, após um casamento turbulento de quase dez anos, excitadíssimo com a idéia de beijar aquela boca, tocar naquele corpo que o avilta diariamente, que afronta suas idéias e seus pensamentos, dizer besteiras no ouvidinho imaculado daquela moça, aquela menina que preenche seus espaços ociosos, que perturba sua rotina de trabalho e que só tem vinte e três aninhos...
                   Aquela menina que acabara de marcar um encontro por telefone com ele, suado, saído do trabalho, enfurnado no vagão do Metrô, sem saber se ri ou se chora, esforçando-se para não gaguejar, não deixar transparecer o vulcão que lhe assoma a alma e o sexo, pela possibilidade, somente pela possibilidade, agora tátil, de tê-la entre os braços.
                  Ele se anima, estampa na face o retrato de um bobo, meio rindo, meio sério, as pálpebras tremendo numa epilepsia louca, as pernas bambas, as pessoas olhando seu estado, por dentro da calça, o volume indiscreto que surge e que, atrapalhado, tenta esconder com a pasta. Uma velha vê e ruboriza, um rapazinho se recosta, esbarra, pretende pedir informação sobre algo, desiste. A próxima estação, Carioca.
                   Desce ainda atordoado, pela proximidade daquele encontro, tantas vezes desmarcado, atravessa o Largo, olhar fixo no nada, deixando-se atropelar pelas pessoas e pelos carros e por seus vagos e distantes pensamentos. Sua tanto na noite que a camisa que veste, embora de tecido barato, reluz qual seda pura.
                   O local do encontro é um bar, pequeno e discreto, no Largo do Bicão, onde as pessoas se encontram após o trabalho para o Happy Hour de todos os dias.
                   Ele para na porta, titubeia, entra ou não ? Falta meia hora e ele pede um chope.
             Pessoas riem e falam alto, discutem mulher, futebol e política, falam das bombas, das armas químicas, da vizinha e das cantadas dentro do escritórios. As palavras dispersas se perdem e se acham, filtradas pelos seus ouvidos atentos. Bebe o chope, pede outro, bebe outro, pede mais um. Olha no relógio: quase a hora.
                   Antecipa o encontro em pensamento: ela entra, portando sua beleza estonteante, os lábios carnudos se entreabrem, num “oi” maroto, ela se aproxima dele, os seios pequenos, rijos, a cintura fina, a pele alva como a espuma daquele chope, as mãos finas e compridas o tocam no ombro, ela o beija demoradamente.
                   O beijo termina e ele ainda parece beijar o ar, anestesiado, até que ela chame sua atenção. Ele ri, ela ruboriza. Nunca haviam se beijado. Tudo ficara apenas na promessa, num “quase” absolutamente incômodo.
                   Ele pede mais um chope. Está empolgado. O efeito de bebida começa a lhe fazer a cabeça. Ri sozinho. Participa do papo do vizinho, concordando com sei lá o quê: “é culpa do sistema...!”, afirma convicto.
                   Olha novamente o relógio. Meia hora se passou.  “Normal mulher atrasar”, pensa.
                   Disperso em seus pensamentos não percebe a mulher que se aproxima e lhe pede fogo. Acende o cigarro dela e o seu. Ela puxa assunto, ele não dá importância... Ela pergunta o seu nome, ele diz Rafael.
                   Ela fede a cigarro. É gorda e tem brotoejas espalhadas pelo rosto, além de um bigodinho nada convencional, que faz lembrar o “Latino” dos velhos tempos.
                   Ele pede um conhaque, bebe. Pede outro chope, entorna. Ele precisa se livrar dela. Está ficando bêbado e sem paciência. Vai urinar. Nem tem tanta vontade, mas precisa de qualquer maneira se livrar da orca que encalhou na sua frente.  Enquanto a urina dourada se perde no vaso, pensa na sua musa: vinte e três aninhos, lábios de veludo, seios que devem caber na palma de suas mãos... lembra daquele olhar que tem vergonha de encará-lo, lembra dos seus cabelos revoltos pelo vento em qualquer tarde, lembra das palavras que sempre o envolveram...
                   Enquanto tenta se recordar de máximos detalhes, o celular toca. É ela, a musa. Não vai ao encontro. Ligou uma amiga, pedindo que a ajudasse num trabalho na faculdade...  Enquanto sua voz é transferida do celular para seus ouvidos e dali para seu cérebro, um filme vem a sua cabeça...
                  Tudo que planejara, todo seu esforço, seu jogo de sedução semanas a fio, tudo por água abaixo. Insiste. Um não, seguido de outro.
                   Percebe-se todo urinado e zonzo, efeito do conhaque. Vacila nas pernas, dá meia volta, respira fundo.
                   Ao retornar ao bar, vislumbra a Orca. Já não lhe parece tão feia, na verdade tinha o seu charme, tinha um olhar penetrante e um cabelo... um cabelo diferente, ele acha. Ela sorri, ele pede a saideira, duas, uma para ela. Ela sorri, agradece, joga um charme, um gracejo indecente.
                   Paga a conta, vão embora juntos. Os dois, seguem pela noite fresca até a Rua dos Andradas, onde um hotelzinho de quinta categoria oferece no letreiro descontos promocionais. Abraçados, agradecem a sorte daquele encontro de almas tão pedintes.
                   O final da estória é mais que óbvio: no dia seguinte ele acorda, ela está ali, nua, ao seu lado. É mais feia do que imaginou. É mais feia do que qualquer coisa que já tenha imaginado, porém inspiração para um conto que em breve escreverá: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.

João Mario Fleury Corrêa
Rio de janeiro,  julho de 2003.

sábado, 20 de julho de 2013

Engodo





Finjo que disfarço a coisa toda em mim,
Para que finjas também que faço bem...
E tudo fique assim como um marasmo
Feito de silêncio e de sarcasmo.

Finjo que engulo todo grito em mim
Para que finjas também que faço bem...
E tudo flua, como o rio ao mar...
E o tempo seque o brilho em meu olhar.

Finjo que é feliz toda tristeza em mim...
Para que finjas também que faço bem...
E a vida siga adiante sem percalços...

Sufoco assim sonhos falsos...
Fingindo sentir o que convém...
Para que creias, enfim, que faço bem.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Olho pela Janela e Vejo o Mar... Ou Sala das Horas Perdidas


Olho pela janela e vejo o mar, imenso. As ondas beijam a areia, com sua efervescência ácida. A maresia desentope minhas narinas e então respiro fundo. “Quer desistir...?” Ela me propôs. Desistir do amor, desistir das vontades, das coisas pelas quais deveríamos lutar na vida. Penso em desistir. Mas antes penso no significado da palavra desistir. Parece-me algo assim como abandonar o sonho, renunciar à coisa almejada, querida...
Certa vez desisti de um sonho, tão morto agora que nem lembro, mas há um vazio em mim por isso. Aliado a outros vazios, de dimensões maiores, menores, mais rasos, mais profundos, mais ou menos cortantes.
De vazio em vazio, adentro então numa grande sala, fria e desabitada. A sala da minha alma, onde o que se vê, são retratos de coisas que se perderam há tempos... minha infância está ali... estampada sobre uma moldura de cor esquisita, um cinza desbotado e triste. Há sorrisos esquecidos, quantos... tantos... há dias de sol e copas de árvores brilhantes, tremeluzindo ao bel-prazer de um vento que não tomei no rosto, que ventou num momento em que meus prazeres não eram ventos, mas algo que provavelmente se dissipou como uma lágrima no tempo.
Adiante, na grande sala, minha maturidade escorre num vermelho parco, sem brilho, como sangue estancado de alguma hemorragia antiga. Tudo está ali, se ali caminho. Se me afasto tudo some. Se toco, inundo-me da mais odiosa dor: a do arrependimento.
Ao menos ali não estão meus filhos, como caricaturas do que não vivi, penso, imerso em certo torpor gelatinoso.
Minha maturidade não me sorri, ri-se por dentro, maliciosa, vingativa, como quem diz: “não viveste...? Vivi eu!”.
A sala das horas perdidas não é mensurável, tampouco palpável... mais parece feita de um infinito que se estende após cada passo dado (pois antes do passo dado, não existe nada além ainda, somente o vazio que se estende ao lado, a frente, atrás, acima, abaixo, vertiginosamente, desmedidamente, impressionantemente), então ali está minha velhice e minha morte, porta fechada, passo não dado, história não contada...
A minha morte me aguarda em algum lugar da imensa sala, não sei em que direção, se perto ou longe...
Se quero desistir...? Pergunto-me a pergunta feita, enquanto o mar é tingido de um verde escuro e o sol de um laranja imenso de fim de tarde, qual um escudo sobre minha cabeça e minha casa e minha vida humana pequenina e de pé, na doca de madeira estreita, onde equilibro o que sou...
Talvez eu queira desistir de tudo, de todos, mas não olharei atrás, não derramarei lágrima alguma pelo que não fiz, pois o que não fiz tem a mesma importância na minha vida que as coisas que fiz... muitas das minhas vitórias foram conquistadas pelos erros e muitas derrotas construídas com acertos...
Talvez eu queira desistir, mas não lamentarei o que poderia ter sido amor, porque o amor que não foi jamais terá sido um dado real, mas uma mera e pouco importante possibilidade apenas.

João Mario Fleury Corrêa

22/08/2003

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Poetando


Pois ia a poesia levitando...
Levou tanto tempo
Criou tanta coisa que não se sabia.

Então ia a poesia poetando
O mundo que se conhecia
A procurar quem sabe
Num canto
O encanto que já não havia.

E a esperar alguém
Aqui ou ali
Que sem saber sorrir
Entristecia.

João Mario Fleury Corrêa

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Seguir


Como saber quando não há volta?
E o caminho percorrido se esgota
E os olhos não se olham sem querer...
Melhor parecer não ver.

Que nome tem isso?
Qual cura tem isso?
Se não há você...
Melhor fingir não saber.

Como evitar sentir
O coração apertar
O corpo suar
A fala enrolar dessa maneira estranha?

Que dor é essa de entranhas?
Não me olha assim
Desfaz de mim...
Melhor é seguir sem nada entender.

12 de janeiro de 1999.
João Mario Fleury Corrêa