quarta-feira, 30 de junho de 2010

Banal



Bem-vindo um poema
Que cale o tormento
Que fale um momento
De cabeças erguidas...

Que estanque as feridas
De carne e de alma
Que fale de riso
Do que for preciso...

Qualquer poema
Que roube o marasmo
Que agrida esta tarde
E rompa o silêncio
Sem alarde.

Qualquer poema
Que fale em verdade
Mesmo que minta
Que nem sinta
Amor ou saudade.

Qualquer poema
barato
banal...
E fale de vida
De vida, afinal...!

João Mario Fleury Corrêa
Agosto, 1997.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Pertinácia



Quero quebrar
Um caco de vidro
Riscar na areia
Nomes
Que nem eu saberia...

Quero sentar
Deixar
O vento apagar
Deslizar sobre o feito
Sobre a cria...
E esperar
Que nada mais me saia assim.


06/01/1996

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mezzo a Mezzo


Para Vinícius.


Esta tarde não é minha. Esses temores repentinos, essa agitação inesperada, a paisagem, o tremular das folhas bailando ao ritmo do vento desse dia, desse julho, nessa angustia e tudo mais que começa como calor e frio, certeza e medo, amor e ódio.

Não. Não é minha essa imprecisão de sentimentos, apesar de ter minha alma como abrigo e agora meu corpo doidivanas, antes ao bel-prazer das vontades exteriores, das corrupções irresistíveis, prazeres incomensuráveis e tão viciosos quanto efêmeros.

Não sou mais eu no mundo. Não são só meus passos, minha respiração, meu medo no começo da noite. Não é só minha descrença agora, ou minha crença na índole, no caráter, no respeito entre as pessoas. Não estou mais sozinho no universo. Então necessito aprender a ser dois. Acho que para isso preciso dominar o todo, controlar os defeitos e as virtudes, calar a força que conduz ao incerto, ao inesperado, à sorte. Abafar todo mal que possa ser transferido por admiração ou idolatria.

Vejo a vida que frutifica não por acaso, não por desejo ou influência de quem quer que seja, mas por mérito das partes que interessam. Vejo adiante meu filho, seus olhos são ainda meus e da mãe, seus braços, pernas, seu todo ser e estar é minha existência ainda e de sua mãe.

Imagino-me aquele ser, o que não é difícil, pois sou aquele ser ou metade dele. Imagino-me ele. E não adianta imaginar-me criança, pois viriam à tona lembranças que trago de agora. Misturas de fatos de antes, de hoje, de sonhos, de pensamentos, de desejos, alucinações normalíssimas em se tratando de gente.

Nada é lógico quando se é ainda quase nada e tudo ao mesmo tempo. Nada parece nos pertencer, pois não há noção de posse do mundo, pois o mundo ainda é o grande vazio que se experimenta, o início do nada, a sensação do novo comparada ao minuto imediatamente anterior, porquanto este é o parâmetro, o paradigma, o confrontamento único e possível de ser feito.

Minha relação com o mundo, meu canal direto está aqui. Na minha frente sua mãe oscila, parece bailar de tanta delicadeza. Pisa na ponta dos pés, age naturalmente, como se soubesse exatamente o que fazer. Como se há muito tempo soubesse exatamente que ali estaria, dia e hora, e que minha reação seria exatamente a que estou tendo. Que o brilho nos meus olhos nesse instante representaria a resposta para toda pergunta, a paz para toda aflição, a coragem para qualquer medo.

Minha relação com o mundo é linha tênue. Desfaz-se com facilidade, constrói-se da mesma forma. Carrega consigo a responsabilidade de ser o elo de ligação entre o hoje e o que virá, a sensação de tempo.

E só o tempo mesmo para compreender o que eu sinto agora, mezzo eu, mezzo ele, mistura salpicada de milagre, temperada com a esperança que remove qualquer indiferença, que faz brotar a fé como água boa do poço, que jorra na intensidade do sentimento nunca sentido, inexperiência maravilhosa de vida.

Essa tarde não é mesmo minha, esse corpo, essa alma, essa alegria infantil de viver. Nada me pertence, pois já não sou eu no mundo, não meus passos, não minha rápida respiração. Minha somente essa nova e extraordinária capacidade de amar.

João Mario Fleury Corrêa
Petrópolis, 22 de julho de 1999.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Nau



Sopro a branca vela: vida!
Um passo torto ensaio e caio.


Adiante um sonho
Atrás, ao lado, me disfarço e saio.

Conto em decepados dedos, demoradas horas.
Convivo dor e gôzo
E grito...

Se sei que perco o que não tenho ainda.

Contento-me em refazer caminhos
Abrigar-me em ninhos
Desligar-me os fios...

Que me guardam o corpo e que minha alma estranha.

sábado, 5 de junho de 2010

Colheita

Temer
Sem ter medo
Crer, sem acreditar...

Plantar e não colher
Viver por viver...


Buscar sem amar é perecer.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Gris



Frio...
Suo e seco ao sol.

Escorro toda fragilidade
Todo o mal.

Quase me engasgo
Com tanta coisa habitante em mim...

Por fim esse peso
De rolha retida
De nó na goela...

Nem sei se engulo
Ou cuspo
Essa tristeza
Que me percebe inteiro.

Migalha
Soprada
No chão...

Migalha esquecida no chão.

Quem sabe eu quis perder de vista
Toda essa angústia...

Toda essa coisa gris.